sábado, 22 de maio de 2010

A vitória da escrita

Teia. Fonte: bitbiblio.blogspot.com/2008_04_01_archive.html

Vivemos a era do fim da escrita? A resposta parece ser sim, quando ouvimos falar de um possível fim do livro, dos jornais impressos, dos correios tradicionais. A resposta parece ser sim, diante de um mundo audiovisual que se digitalizou e proteicamente nos assalta e acolhe por todos os lados.

Mas não, não vivemos o fim da escrita. Pelo contrário, a contemporaneidade é o momento da sua vitória e onipresença. Pensemos em qual é o princípio, qual é a índole dessa tecnologia de tradução, comunicação, arquivo e domínio do mundo. Nela, alguns poucos signos - sejam os milhares do hiragana japonês ou as poucas dezenas dos sistemas ocidentais – combinam-se logicamente para significar e transmitir coisas e conceitos. Essa lógica pode ser sintagmática,– como no caso da escrita européia, ou paradigmática, como no caso dos ideogramas, mas a base é sempre a mesma: redução da complexidade do mundo a um conjunto limitado de sinais que podem ser permutados e combinados de inúmeros modos.

Com “escrita” aqui não quero dizer apenas os caracteres destinados a representar as palavas e os intervalos entre elas, mas também sons (como as notas musicais), números, operações lógicas e matemáticas, concomitâncias e sequenciamentos. Não por acaso, entre os antigos egípcios, Thoth era, ao mesmo tempo, o deus da escrita e da matemática – e também da magia.
E o que é justamente essa famosa digitalização que, na atualidade, permite a desmaterizalização de dados, palavras, imagens e sons?

É simplesmente uma forma de escrita, que leva quase ao limite uma lógica milenar, reduzindo as coisas a sequencias de sinais que significam “zeros” e “uns”, “sins” e “nãos”, eletronicamente transmissíveis e armazenáveis.

Mais que isso, é uma forma de escrita que leva quase ao limite a lógica particional e sintagmática que está por trás dos sistemas ocidentais.

Sobre essa plataforma, podem “rodar” imagens , sons, palavras, outros sistemas sígnicos, sintagmáticos ou paradigmáticos.

O mundo atual organiza-se agora em múltiplas camadas de interfaces. Entre as coisas e as suas representações visíveis, legíveis, rodam vários programas, em várias linguagens.

Surgem, assim, duas categorias de pessoas. Há quelas que são alfabetizadas em algumas dessas linguagens e as analfabetas. Mas provavelmente ninguém é alfabetizado na cadeia toda.

Assim, ser alfabetizado na escrita digital, em qualquer de seus níveis, não significa, a princípio, muita vantagem. O alfababetizado pode ser simples parte da máquina de escrita, não necessariamente um criador, ou seja, alguém capaz de modificá-la e gerar informações novas a partir dela.

Para isso, alfabetizados e analfabetos precisam, sim, tentar compreender como ela funciona.

Hieroglifos cursivos no Livro dos Mortos. Fonte: atrasdosolhos.wordpress.com/.../

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