domingo, 24 de julho de 2011

Paris é logo ali

O último filme de Woody Alllen, Meia- noite em Paris (Midnight in Paris), parte de um enredo bem simples e já muito batido, para compor uma espécie de conto de fadas altamente contemporâneo, um jogo de espelhos a refletir a busca por algo que está sempre um passo além. Muitos poderiam criticá-lo pela obviedade do núcleo de sua trama. Mas não será justamente essa capacidade de resgatar signos antigos, dando-lhe frescor e sentidos novos, uma das principais características de um autêntico artista?
Gil Pender, o protagonista – interpretado por um esforçado Owen Wilson, que parece dar vida ao Allen de uns vinte anos atrás - vive o que poderia,talvez, ser o sonho de muitos homens. É um roteirista de sucesso em Hollywood, justamente conhecida como “fábrica de sonhos”, tem uma vida confortável, está noivo de Inez, uma linda mulher vivida por Rachel MacAdams, e acaba de chegar a Paris, também por muitos considerada uma cidade dos sonhos.
Mas ele está insatisfeito. Seu desejo está no mesmo lugar em que se encontra, mas em outra época. Gostaria de ser não um roteirista no início do século XXI, mas um genial romancista na Paris dos anos 1920.
A inadequação é tão natural, tão humana, que o espectador dificilmente percebe que o herói, por muitos critérios, chora de barriga cheia. A identificação, a empatia, são imediatas.
Então, Pender tem a oportunidade de entrar, ainda que momentaneamente, no mundo com que sonhava. Durante um passeio melancólico, surge numa esquina um carro amarelo que o arrebata para a festa parisiense dos anos loucos, como um avatar da carruagem mágica da Cinderela. Mas como se trata de um conto adulto, meia noite é a hora de partir e não de voltar.
Durante um tempo, Pender ganha o poder de transitar entre os dias prosaicos e as noites mágicas em que convive com seus ídolos – Cole Porter, F. Scott e Zelda Fitzgerald, Hemingway, Picasso, Salvador Dali, Getrude Stein, Djuna Barnes, Josephine Baker, Buñuel – todos, como ele, estrangeiros naquela cidade mítica.
Que maravilha discutir seus textos com o escritor de Paris é uma festa e tê-los analisados pela autora de Paris França e a Autobiografia de Alice B. Toklas, retratos do mundo mágico em que gostaria de ter vivido!
Ali encontra também Adriana, modelo e amante de Picasso, vivida por uma deslumbrante Marion Cotillard, e ambos se apaixonam. Veja-se que sonho edípico, roubar o coração da mulher de um ídolo...
Mas aquela que poderia ser a companheira perfeita tem o seu desejo em outro lugar. Ideal não é a cidade em que mora, mas a da Belle Époque, a de Toulose Lautrec e Cézanne. Os dois embarcam, então, numa carruagem, rumo à Paris do fin de siècle, onde Adriana decide viver seu sonho. Dividido entre o novo amor e a atração pela era do jazz, incapaz de ficar com Adriana ou de renunciar ao seu mundo de origem, resta a Pender um melancólico retorno ao seu próprio tempo.
Nesse esconde-esconde de desejos, o detetive que o sogro, desconfiado de que Pender traía Inez, contratara para segui-lo, também se perde no passado, na Paris da Renascença, onde perseguido por guardas armados, descobre que todo sonho pode ter algo de pesadelo, ao som das gargalhadas da plateia que Woody Allen, habilmente, faz rir de si mesma.
O paraíso, afinal, só pode ser, para sempre, perdido. Num bouquiniste das margens do Sena, Pender reencontra a sua história com Adriana, contada num livro também perdido, a lhe perguntar de modo oblíquo: “E se você soubesse, se tivesse sido assim e não assado?”. E a denunciar que a ela, Adriana, também algo lhe faltou.
Não vou contar o final do filme, que muitos poderão julgar um pouco caipira e simplório, com o encontro de uma possível felicidade nas coisas simples e próximas, um apaziguamento que me teria soado forçado se “Meia- noite em Paris”, afinal, não fosse uma comédia, um conto de fadas.
Nesse fim, algo se escamoteia, pois essas coisas, pretensamente simples e próximas, não estão em Hollywood, ou no Brooklyn, ou na Mooca ou na Cidade de Deus, mas numa Paris em que Pender pode flanar sem cuidados, sem se preocupar com o estômago - assim como podia ir para os seus anos mágicos, se não com os bolsos vazios, pelo menos com eles cheios de contemporâneos dólares ou Euros que certamente não poderiam pagar um vinho no Maxim’s ou umas ostras no Le Dôme com Hemingway.