sábado, 8 de maio de 2010

Como Alice se perdeu no País das Maravilhas

Imagem promocional de Alice in Wonderland, de Tim Burton

No final de semana passada, fui assistir à Alice do Tim Burton. Confesso que me decepcionei. Não que o filme seja ruim, é que o encontro entre o diretor e os livros de Lewis Carroll prometia mais. Essa Alice é um bom exemplo de como a reunião de ingredientes de primeira – uma história clássica e criativa, um cineasta de estilo muito próprio, bons atores e uma tecnologia nova, o 3D – podem resultar num prato de fast food.

A riqueza original das aventuras da menininha em seus mundos de sonho perde-se num enredo que, afinal, acaba se resumindo num embate entre forças boazinhas e mazinhas, tendo como pano de fundo uma espécie de receita de autoajuda para a heroína, que, já adulta, precisa decidir entre casar com um aristocrata sem graça e tornar-se aprendiz de uma companhia de comércio! Pois é nisso que consiste a "libertação" de Alice no final do filme - embarca para a China para negociar do outro lado do mundo, cumprindo um velho sonho paterno. E quem estudou um pouco de história sabe o quanto teve de rapacidade e mesquinhez o avanço da Inglaterra para o Oriente.
Diga-se, a bem da verdade, que há uma espécie de convencionalismo irônico na divisão entre "bons" e "maus" nessa Alice. A Rainha Branca parece mais falsa que a Rainha Vermelha. Lutam porque têm de lutar, não porque haja algum princípio cósmico em jogo, como poderia acreditar, por exemplo, um seguidor acrítico de George Bush. Não se trata do Bem e do Mal, com maiúsculas, mas de uma disputa que guarda algo da maldadezinha miúda das crianças mimadas. Se assim não fosse, não seria Tim Burton. Mas justamente essa falta de estofo dos oponentes, essa superficilialidade de brincadeira, que soa irônica no embate entre as rainhas de fancaria, é que também permite, por outro lado, Alice partir depois na sua jornada comercial-colonialista.

Assim, o que a Alice de Burton tem de moderno, de contemporâneo – mocinha prafrentex capaz de enfrentar convenções sociais e traçar um destino para si mesma – não pode deixar de lado o que a modernidade tem de pior. Digo “prafrentex” de propósito, por ser uma gíria de algum momento entre os anos 1960 e 1970, já ultrapassada. Vamos convir que Alan Moore deu um destino bem mais imaginativo para a Alice adulta na série pornográfica em quadrinhos Lost Girls.

O visual do filme, com seu tom ao mesmo tempo sombrio e luxuriante, é puro Tim Burton, a ponto de a gente pensar o que o 3D foi fazer ali. É mais que perfunctório, chega a atrapalhar. Li em algum lugar que Alice foi filmada originalmente em 2D e depois adaptada para o 3D. Por isso certamente seus enquadramentos foram pensados para o plano e algumas vezes a ilusão da terceira dimensão se quebra porque os limites da tela estão no lugar errado.

Há filmes ou sequências que parecem usar o 3D para levar o espectador para dentro do cenário ou da paisagem. Vejam-se, nesse sentido, diversas passagens de Up, altas aventuras – na minha opinião, a película que melhor utlizou o 3D como elemento narrativo até o momento- e algumas de Avatar, em que, por exemplo, uma sala de conferência, numa cena, parece prolongar a própria sala de cinema com suas cadeiras. Há casos também – para falar a verdade, a maioria até agora - em que o 3D busca criar um efeito lúdico antes que estético, de parque de diversões mesmo, parecendo jogar objetos na cara da plateia, por exemplo. Na maior parte das vezes, porém, Alice não faz nem uma coisa nem outra. No filme, o 3D surge como um maneirismo a somar-se acidentalmente a tantos outros que já fazem parte da estética de Burton, mas sem se integrar a ela. Nesse aspecto, esperemos por alguma obra que o diretor americano venha a conceber realmente para essa nova tecnologia.

Assim, no que toca a adaptações cinematográficas, fico mais com a Alice surrealista do tcheco Jan Svankmajer, essa sim capaz de recriar de outro modo a linguagem inventiva de Carroll. Ou mesmo com a primeira Alice da Disney, que pode bem ser pasteurizada e fofinha demais, mas, sem dúvida, é menos pretensiosa e tem um psicodelismo avant la lettre que não deveria nunca ser desprezado.

Cena de Alice, de Jan Svankmajer

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