domingo, 8 de agosto de 2010

De novo, livros impressos e ebooks




De uns tempos para cá, parecem ter ganhado corpo as discussões em torno dos chamados livros digitais. Apocalípticos e integrados saem a campo para discutir se estamos próximos do fim do livro e da leitura tal como os conhecemos, ou se diferentes tecnologias e modos de ler conviverão daqui para a frente. Como amador, eu mesmo andei dando uns pitacos em uma postagem anterior. O assunto me interessa muito, pois gosto dos livros, da leitura, das narrativas e da poesia – destaco de propósito cada uma dessas entidades, pois a poesia, por exemplo, não tem a ver necessariamente com leitura, que, por sua vez, não depende unicamente do livro.

Tais discussões, parece-me, concentram-se em alguns pontos principais que, obviamente, se entrelaçam e se desdobram.

O primeiro – o mais visível, o mais falado pelo menos - é se os atuais suportes da palavra escrita – não só o livro, mas também o jornal e a revista – vão desaparecer. Como defendi na já mencionada postagem anterior, não creio nisso. Acredito apenas que vão acontecer alguns deslocamentos. Os atuais veículos impressos vão se aninhar em nichos bem específicos, pelo menos temporariamente.

Afinal, ainda há público para os long-plays de vinil. O códice é confortável, charmoso e continuará sendo um bom suporte para romances, grafic novels, livros de arte, criações diversas que se aproveitem dos potenciais e limites da página em papel. Creio mesmo que ele vai sobreviver mais que os jornais e as revistas, que tendem a se hibridizar numa convergência entre Internet e TV digital.

O livro é veículo de uma informação mais permanente, decantada. O jornal e a revista, por natureza, têm caráter mais efêmero, defrontam-se mais diretamente com a rapidez da Internet. A TV e o rádio não conseguiram matá-los por serem inteiramente outras linguagens, mas as novas mídias são capazes de mesclar a maioria das vantagens de cada uma delas. Periódicos com longa história (vejam o JB, no Brasil, a Newsweek nos Estados Unidos) vão continuar quebrando e encolhendo, e os que resistirem, antes que mídias de massa, vão se transformar, cada vez mais, em mídias de nichos. Não dá para imaginar muito além disso. A história é longa, e somos curtos, de idéias e anos.

O argumento da coexistência histórica das mídias é o mais comum entre aqueles que defendem uma longa sobrevivência dos atuais suportes. Ele é que aparece, por exemplo, no recém-lançado _ não contem com o fim do livro, interessante conversa entre Umberto Eco e Jean-Paul Carriére, intermediada pelo jornalista francês Jean-Philippe de Tonnac. Transcrevo aqui o título como grafado na capa da edição brasileira, em minúscula e com underline no início, como um resíduo de escrita informatizada, numa espécie de ato falho ou provocação editorial (a edição original, francesa, não é assim)... Eis o que diz Eco, em trecho transcrito na contracapa:

“(...) o e-book não matará o livro – como Gutenberg e sua genial invenção não suprimiram de uma dia para o outro o uso dos códices, nem este, o comércio dos rolos de papiros ou volumina. Os usos e costumes coexistem e nada nos apetece mais do ue alargar o leque dos possíveis. A fotografia matou o quadro? A televisão, o cinema.? Boas-vindas então às pranchetas e periféricos de leitura que nos dãos acesso, através de uma única tela, à biblioteca univeral doravante digitalizada.”

Sim, diferentes linguagens convivem, hoje temos peças de teatro, filmes para cinema, filmes para TV, filmes para Internet, bem como as mídias mais novas podem servir de veículo para as mais antigas. Mas certamente o teatro não é mais o mesmo depois do cinema e nem esse depois da TV. O uso de manuscritos, por sua vez, desapareceu como modo de disseminação de obras escritas, fora casos especialíssimos. As transições entre os suportes são cada vez mais aceleradas, acompanhando a velocidade crescente do desenvolvimento tecnológico. Resta saber, desse modo, se as mudanças aqui discutidas estão mais próximas daquelas que ocorreram entre o teatro e o cinema, daquelas entre as diversas tecnologias históricas de impressão ou entre o manuscrito e a imprensa.

Deriva-se aí para um outro ponto da discussão, fortemente entrelaçado com o primeiro, e que é basicamente uma questão de design e tecnologia. Existem reais vantagens na troca dos livros por ebooks? Que tipos de leitor para ebook sobreviverão?

Nesse aspecto, Umberto Eco é peremptório: o livro impresso é como a colher e a roda, uma criação definitiva, que não pode ser aperfeiçoada e substituída.

Mas será isso mesmo?

O códice é fácil de manusear, mas é difícil de guardar. Consome espaço, e espaço é dinheiro. O livro nem sempre teve essa forma. Antes – apenas para ficar em uma de suas muitas manifestações – foi volumen, o rolo de pergaminho dos antigos romanos. Uma forma substituiu a outra justamente porque o códice era mais fácil de ser arquivado e consultado, além de conseguir guardar mais informação num mesmo espaço físico (faça a experiência: transcreva Guerra e Paz, com o mesmo tamanho de letra, para o formato de rolo e coloque-o na estante). O livro impresso substituiu o manuscrito porque era de produção mais rápida e mais barata, podendo gerar uma quantidade de cópias muito maior num mesmo período de tempo.

O livro digital é tudo isso: é mais fácil de ser arquivado, consultado, pesquisado, guarda mais informação num mesmo espaço físico, tem produção (e distribuição) mais rápida e mais barata, quando comparado com o livro de papel.

Por que imaginar que a história não se repetirá? Lembre-se que, nos primeiros tempos da imprensa, havia os defensores intransigentes dos manuscritos, a dizer que os incunábulos eram feios, sujos, não tinham como reproduzir as belas iluminuras das edições produzidas à mão...

Pense-se no seguinte: a diferença de preço entre uma edição digital e um livro de papel (cerca de 30% hoje), em breve, já será capaz de financiar a compra do e-reader para aqueles leitores que comprem pelo menos um livro por mês. Isso hoje ainda não é realidade. Atualmente, ainda sai mais barato comprar os livros tradicionais, mesmo que sejam mais caros individualmente, por não dependerem da aquisição de um suporte externo - a menos que a pessoa se disponha a ler seus ebooks num computador comum, que já use para outros fins, o que é bastante desconfortável.

Como exercício de futurologia, penso, por outro lado, como seria bom ler, por exemplo, A linguagem secreta do cinema, de Carriére, com a possibilidade de, a cada nome de filme citado, ser capaz de navegar para as imagens respectivas. Quando li pela primeira vez Jean Vigo, de Paulo Emílio Salles Gomes, há mais de vinte anos, tinha que me contentar em imaginar as cenas dos filmes mencionados, a que nunca assistira e que não tinha como assistir numa cidadezinha do interior de São Paulo. Recentemente, saiu uma bela edição da Cosac Naify, com a opção de ser adquirida junto com o DVD. Imagine agora uma versão digital que possibilitasse a navegação direta entre textos e imagens. Ou então ler Uma Nova História da Música de Otto Maria Carpeaux, ou O Som e o Sentido de João Miguel Wisnick com as mesmas facilidades...

Dizer que os livros digitais dependem de energia elétrica e que o livro de papel pode ser lido apenas com a luz solar pode ser uma ótima boutade, mas não resiste a uma análise mais séria. Quanta energia é necessária para produzir, distribuir, guardar e ler os livros de papel atuais? Sinceramente, num mundo em que voltássemos a ter o sol como única fonte de luz, os homens provavelmente teriam outras preocupações, e livros, muito mais do que hoje, seriam objeto de consumo de minúscula parcela da população...

Poderíamos, do mesmo modo, defender a vantagem das solas dos pés em relação aos automóveis, ônibus, trens e aviões. Mas quantos o fariam seriamente?

Sejamos realistas. Os e-readers e tablets reais têm ainda muita limitações, não só quando se pensa nas versões impressas, mas também nas possibilidades futuras. Essas limitações materializam-se, atualmente, em alguns embates, por exemplo, entre os fãs do Ipad – o computador portátil, tipo tablet, da Apple - e os do Kindle – o leitor digital exclusivo da Amazon. “Não dá para ler o Kindle no escuro”. “ Não dá para ler usando o Ipad à luz do sol”. “O Kindle não tem cor e não permite uma leitura mais interativa”. “A tela do Ipad cansa”. “O ipad é apenas um iphone que que não cabe no bolso”.

Há algum tempo, conversando com amigos, brinquei que estava faltando apenas um chinês lançar um aparelhinho que conjugasse a tela de tinta eletrônica do Kindle com a tela interativa do Ipad. Pois não é que a empresa brasileira Positivo anunciou recentemente que estara lançando um tablet com essas características em 2011? E a Amazon também promete para o ano que vem o seu e-reader com páginas coloridas. Num cenário como esse quem acredita que não é uma questão de (muito pouco) tempo termos opções com telas ergonômicas para a leitura e plenamente interativas? Enquanto isso, podemos consultar enciclopédias e livros didáticos em tablets, ler romances estrangeiros mais baratos em e-readers, clássicos em edições de bolso e nos deliciar com grafic novels e livros de arte em volumes cujas imagens parecem trazer a textura dos originais. Desde que se tenha gosto, tempo e dinheiro, é claro. Mas por quanto tempo?
(continua no próximo post)

E-reader da Positivo em lançamento no Brasil, carregado com edição de O Príncipe, de Maquiavel, da Penguin/Companhia das Letras (cujo contrato de cessão da marca prevê que todos os títulos deverão ser lançados também em formato digital)

2 comentários:

  1. Um aspecto me deixa empolgado quanto ao livro digital: um download é, em geral, mais rápido que um Sedex.
    Abraço.

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  2. Realmente esse é um charme do livro digital, essa rapidez no acesso e distribuição. Pode ser, inclusive, que algum dia, no futuro, não se faça mais download, mas que esse livros aguardem o leitor "em nuvem"... Porém, não creio que, em termos de escolha do leitor, seja o fator preponderante. A leitura de um livro faz parte de um outro universo mental, não o da pressa, da rapidez, mas da fruição lenta, da meditação. A vantagem do download, nesse aspecto, fica mais para os casos de consumo por impulso ou quando alguém precisar com muita pressa de um livro para alguma finalidade específica. O efeito maior do "download" ou da "nuvem" é na cadeia de distribuição: livreiros, distribuidoras, correios perdem o seu papel tradicional. A compra acontece diretamente na editora ou em livrarias virtuais.

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