domingo, 27 de junho de 2010

O futuro dos jornais?

Dois dos principais jornais brasileiros passaram por reformas recentes, que não se resumem ao aspecto gráfico, mas, independentemente dos exageros de marketing, procuram sintonizar os velhos cadernos impressos com o mundo da Internet. São os casos de O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo. O primeiro saiu na frente, em março, e a segunda apresentou as mudanças em maio. Os dois veículos publicaram cadernos especiais comentando as próprias reformas, que desde já ficam como documentos históricos de uma fase de transição da imprensa brasileira, em que uma mídia secular procura, de forma evidente, manter-se viva diante do avanço das novas tecnologias digitais. Ou talvez fosse menos impreciso falar de uma fase de transição dos veículos de comunicação brasileiros, em que uma forma secular, impressa, procura manter-se viva diante dessas novas tecnologias.

O caderno do Estado, datado de 14/03/2010, tem um título bem mais comedido – "Jornalismo renovado" – enquanto o da Folha, de 23/05/2010, apela para o superlativo – "Novíssima!" – que o diário ostenta também em seu mais recente caderno cultural. Em ambos, todavia, a toada é muito semelhante: complementaridade entre mídias impressa e digital, convergência, renovação gráfica em busca de mais legibilidade (o Estado chegou a criar novas fontes exclusivas) e da incorporação de mais informações visuais.

O confronto (ou a convergência) com a Internet é simbolizado, nos dois casos, pela presença de reproduções do iPad – no caso da Folha já mostrando uma página da Folha.com e, no do Estado, uma reprodução da versão eletrônica do The New York Times.

Em ambos os cadernos, há também um apelo à história, com a Folha destacando as suas várias reformas gráficas e editorais num infográfico, e o Estado mostrando uma sobreposição de primeiras páginas, desde a Província de São Paulo até uma edição de março de 2010, já no novo design, cuja modernidade se procura ressaltar com o prolongamento do jornal num enquadramento que lembra o de um e-reader.

O título dessa incursão histórica do Estadão – “Em 135 anos, história e credibilidade” - é bem indicativo do subtexto que se procura transmitir. Na chamada da primeira página do caderno, também se fala de “tradição e credibilidade”. A Folha fala em “jornalismo preciso e confiável” e traz um artigo que se intitula... “Credibilidade em tempo real”.

Em outras palavras, num mundo em que tudo que é sólido se desmancha no ar, num ambiente em que pululam informações de todos os lados, os dois jornais apelam para um argumento de autoridade, garantida por sua histórica atuação, capaz de lhe dar essa anunciada credibilidade.
Isso se torna evidente no texto de Otávio Frias Filho – “7 vidas do jornalismo” - em que diz:

Ninguém contesta, é claro, que a evolução dos meios eletrônicos democratizou o acesso às informações. Nem que a conexão em rede fez surgir uma multiplicidade de formatos jornalísticos, estimulando a diversidade da oferta.
Mas muito desse novo jornalismo tem qualidade discutível, quando não é produto de mera pirataria. Os blogs e o jornalismo cidadão parecem oportunidades promissoras, mas quase sempre seu alcance fica limitado, seja em termos de recursos ou abrangência, seja porque expressam visões demasiado particulares e engajadas.”
Para piorar, o jornalismo que emerge está eivado de entretenimento, culto à celebridade, inconsequência.
(...)
Conforme mais pessoas imergem no oceano de dados e versões que giram pela rede, maior a demanda por um veículo capaz de apurar melhor, selecionar, resumir, analisar e hierarquizar. Esse veículo, no papel ou na tela, se chama jornal.


Interessante que essa palavra “hierarquizar”, sem o sentido de dominância de um item sobre outro, ecoa em “organizar”, expressão que se repete também ao longo dos dois cadernos dos jornais concorrentes.

Esse é o serviço que ambos oferecem na balbúrdia do novo mundo: organizar e autorizar as informações, num ambiente em que se torna cada vez mais dificil discernir a pirataria, o boato, os particularismos interessados. Para isso, oferecem um mesmo valor, a autoridade sedimentada na história e na disponibilidade de recursos com que outros não podem contar. Nesse último aspecto, não por acaso, o Estado fala de sua saúde financeira e a Folha estampa uma montagem fotográfica de sua redação, chamada de “ centro captador de notícias 24 horas”.

No caso do Estado, a referância ao passado é evidente até no logotipo: apesar da reforma gráfica, manteve-se a imagem de um estafeta a cavalo, sobraçando jornais e fazendo-se anunciar por uma espécie de trombeta.

Nessa busca, todavia, é preciso se adaptar, procurar a diversidade que há na Internet. O Estado fala se aproximar das redes sociais e, na sua versão da Internet, romper com o “conceito já ultrapassado de portal”. Fala também em “80 blogs assinados por jornalistas do Estado”. A Folha, por sua vez, anuncia os seus 29 novos colunistas, que vêm contemplar um time de mais de 100 – ainda que, cá entre nós, alguns sejam de qualidade e credibilidade no mínimo discutível.

Nessa brincadeira toda, uma propaganda da reforma da Folha surge quase como um grito inconsciente. Nele, uma jovem segura sorrindo o jornal impresso, que serve como quadro maior, como um gigantesco iPad, que se desdobra, num jogo de boneca russas, num rapaz, que segura um notebook, que reproduz a Folha.com com a imagem de umvelho, que exibe um netbook, que, por sua vez, veicula uma imagem da Folha de S. Paulo com uma mulher, que carrega um celular estampando a Folha.com...

“Não dá pra não ler/acessar_baixar_twittar_Folha_o jornal do futuro” – eis o que diz o slogan gráfico ao pé da página.

Mas nessa imagem – óbvia expressão de um desejo – o velho jornal impresso travestido de e-reader é que define as fronteiras de todas as outras versões.
Apenas o futuro é que poderá dizer se será assim mesmo. Mas, além dos efeitos mais claramente marqueteiros, não deixa de haver um ar de déjà vu nisso tudo.

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