quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sobre uma fotografia antiga de Brasília: o xis da questão



A fotografia de Mário Fontenelle que abre esta postagem talvez seja uma das mais conhecidas dos primeiros tempos de Brasília. É o registro do encontro entre o Eixo Monumental e o Eixo Rodoviário, o ponto zero de uma cidade que, naquele momento, não passava de um sonho.

Fontenelle – autor de flagrantes antológicos sobre o período de construção da nova capital - passava de avião por ali e pediu ao piloto para que voltasse, pois não queria perder aquela imagem. O registro é precário, um tanto desfocado, e não havia como ser diferente naquelas circunstâncias, mas isso que poderia ser encarado como um “defeito” de certo modo contribuiu para acentuar-lhe o ar mítico, como se a precariedade fotográfica se casasse com a dos barracões de madeira que abrigavam os operários dos novos tempos.

Usualmente, a foto é lida como uma cruz, ou uma marca, um “X” a apontar para algo único, seminal. Uma tomada de posse (para resgatar uma expressão do antropólogo Milton Guran, transcrita na edição especial da revista Veja – Brasília 50 anos). O que se ressalta é o que há de inaugural ali, a explosão da modernidade a traçar um destino. É como se a história de todo um rincão brasileiro começasse com a construção da nova cidade.

Mas será isso verdade? Haveria apenas uma natureza intocada antes (o cerrado) e uma história que começava naquele momento preciso? Não havia nada de histórico nesse pedaço do Brasil antes da chegada de arquitetos, engenheiros, peões? Brasília teria se erguido sobre uma natureza virgem, haveria aqui “apenas” árvores e mato a arrasar? O que mais foi derrubado?

Esse “X” que é um ponto de amarração não seria, assim, a despeito da intenção de Fontenelle, também uma marca de obnubilamento, de censura, um inconsciente registro de exclusão? Uma cicatriz mesmo? É possível um traçado inagural que não apague algo, que não represente um corte?

Não seriam os traçados dos Eixos também riscos sobre o que ficou para trás, vaqueiros perdidos, posseiros, índios nômades que podem ter cruzado a terra vermelha em algum momento, talvez pouco antes, do registro fotográfico?

O que poderia revelar uma arqueologia não só dos solos da capital, mas do imaginário que se criou em torno dela?

Fonte: Arquivo Público DF

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